Na Prática: Acidentes Ofídicos

Um compilado detalhado sobre esse tema, reunindo as principais informações com os tipos, gêneros, condutas e tratamento dos Acidentes Ofídicos mais comuns no Brasil

Importante ressaltar que este conteúdo não é novo. Ele foi publicado no Instagram (as 4 partes sobre os gêneros em posts separados) e no Youtube (um vídeo com a soroterapia de todos) anteriormente. Mas, como todos sabem, os algoritmos das redes e a nossa correria no dia a dia nem sempre nos permitem ver tudo aquilo que a gente quer - e precisa.

Dessa forma, resolvi compilar todo o conteúdo sobre Acidentes Ofídicos aqui no nosso site, onde eu controlo o que é exibido e para quem, além de ter um cenário menos disperso para o melhor aproveitamento da sua leitura e aprendizagem. Abaixo, veja os posts de cada gênero e, ao final, o vídeo com a soroterapia.

Parte 1: Botrópico

 

Acidentes por serpentes são muito comuns no nosso país, principalmente em cidades afastadas. Resolvi então fazer uma sequência de posts, falando sobre cada gênero e, ao final, farei um vídeo explicando mais sobre o tratamento com o soro.

O primeiro que vamos falar é o o gênero Botrópico, que são as cobras Jararaca, Jaracuçu e outras. A picada destas serpentes causa dor e edema no local da picada. Manifestações hemorrágicas são comuns e muito sugestivas.

Pode haver sangramento gengival, hematúria e etc. Manifestações sistêmicas também podem ocorrer, como náuseas, hipotensão, vertigem, sudorese e etc. O tratamento consiste, além do soro, em manter o membro elevado, analgésicos e hidratação.

Para saber a quantidade de ampolas que vamos usar, primeiro vamos classificar o acidente em leve, moderado ou grave:
• Leve (2 a 4 ampolas): Dor, edema local e equimoses discretas.
• Moderado (4 a 8 ampolas): Dor, edema e equimoses evidentes e manifestações hemorrágicas.
• Grave (12 ampolas): Dor, edema extenso, bolhas, hemorragia intensa, oligúria e hipotensão.

Agora, vamos ver algumas dicas que valem para acidentes em geral:
• 1. Nestes pacientes, será necessário coletar hemograma, coagulograma, eletrólitos e função renal.

• 2. Comumente estes pacientes alteram o coagulograma. Isto não indica o uso de plasma fresco congelado. O tratamento é o soro na quantidade certa de ampolas. Caso o coagulograma continue alterado após 24 horas, deve-se fazer uma dose adicional de duas ampolas.

• 3. O soro pode ser diluído em soro glicosado ou fisiológico e correr em 30 a 60 minutos. Infusões mais rápidas aumentam a chance de reações anafiláticas.

Parte 2: Crotálico

Seguindo a série sobre acidentes ofídicos, vamos falar sobre o acidente crotálico, decorrente da mordedura da famosa Cascavel. As manifestações locais são pouco importantes. Geralmente não há dor e pode haver parestesia.

Nesta serpente, o que nos chama a atenção são as manifestações decorrentes da neurotoxicidade do veneno, como ptose palpebral, oftalmoplegia (dificuldade de movimentar o globo ocular), visão turva e dificuldade para deglutir (decorrente da paralisia dos nervos cranianos que coordenam a deglutição). Outras manifestações gerais como náuseas, vômitos e secura na boca podem ocorrer e, também muito comum, manifestações musculares como dor, mioglobinúria e rabdomiólise. Manifestações hemorrágicas não são tão comuns quando em acidentes botrópicos, mas também podem acontecer.

Vamos a classificação do acidente e a quantidade de ampolas de soro para o tratamento:
• 1. Leve (5 ampolas): ptose palpebral, turvação visual discreta de início tardio, urina normal e mialgia discreta ou ausente.

• 2. Moderado (10 ampolas): ptose palpebral, turvação visual de início recente, mialgia moderada e urina escura.

• 3. Grave (15 ampolas): ptose palpebral, turvação visual intensa, mialgia intensa e generalizada, urina escura, oligúria ou anúria.

Estes pacientes podem desenvolver insuficiência renal e devem receber hidratação vigorosa. Além disso, é importante acompanhamento do débito urinário com sonda vesical e dosagem de uréia e creatinina.

Dicas:
• 1. Em alguns casos, pode ser difícil diferenciar acidentes crotálicos e botrópicos. Para isso existe o soro bivalente para os dois venenos. A quantidade de ampolas é a mesma.

• 2. Em acidentes crotálicos onde o paciente cursa com anúria, pode-se usar o Manitol, na dose 5 mg/kg na criança e 100 ml no adulto. Caso não haja resposta, usamos Furosemida na dose de 1 mg/kg na criança, com um máximo de 40 mg para adultos.

Parte 3: Laquético

Esse é um tipo de acidente raro decorrente da mordedura da Surucucu e espécies semelhantes. Esse tipo representa apenas cerca de 0,5% dos acidentes. As manifestações gerais incluem sudorese, náuseas, mal estar geral e etc.

Já as manifestações locais são bem pronunciadas e podem nos ajudar a diferenciar de outros tipos de cobras. Pode aparecer bolhas com conteúdo hemático ou seroso e hemorragias locais. Uma forma de diferenciarmos do Botrópico, é que no Laquético as hemorragias limitam-se ao local da picada.

No Laquético, não há acidente classificado como leve. Vamos classificar como moderado ou grave. Vejamos como diferenciar e a quantidade de ampolas para tratar:
• 1. Moderado (10 ampolas): Dor, edema, bolhas e hemorragia discreta.

• 2. Grave (20 ampolas): Dor, edema, bolhas, hemorragia, cólica abdominal, diarréia, bradicardia e hipotensão arterial.

A diferenciação entre o acidente Botrópico e Laquético pode ser difícil do ponto de vista clínico.

Caso haja dúvida, existe o soro que pega os dois tipos. É o chamado soro antibotrópico-laquético. A quantidade de ampolas é a mesma independe do tipo de soro usado.

Parte 4: Elapídico

Vamos ao último gênero de serpentes nessa nossa série sobre acidentes ofídicos. Hoje é a vez do acidente Elapídico, decorrente da mordedura da conhecida Coral.

Todos os acidentes por esta espécie são considerados graves e são tratados com 10 ampolas do soro anti-elapídico. Os sintomas incluem dor ou parestesia no local da picada, turvação visual, ptose palpebral e, em casos raros, fraqueza muscular grave com risco, inclusive, de insuficiência respiratória por paralisia dos músculos da respiração.

Todos os pacientes devem permanecer em observação por no mínimo 24 horas, uma vez que os sintomas podem demorar este tempo para aparecer.

Dicas:

• 1. Há relatos que o uso da Neostigmina pode reverter a paralisia em alguns casos. Ela pode ser usado como uma ponte para pacientes com insuficiência respiratória até que seja transferido para um local com suporte ventilatório.

Vídeo: Soroterapia